Histórias
“Recordo claramente a dor e o desespero que senti, quando era um menino de oito anos, no dia em que me pediram para ler uma breve passagem das Escrituras em um serviço comunitário durante as férias de verão no Maine… e o resultado foi absolutamente atroz”.
“A dificuldade para consultar dicionários, por exemplo, é uma das piores. Não posso dar uma olhada rápida em cada página para encontrar a palavra que estou procurando, mas tenho que olhar uma a uma, coluna por coluna, esquadrinhando cada palavra. E assim mesmo, passo por cima dela e nem percebo”.
“Tenho muita vergonha da minha incapacidade de ler. Sempre trago comigo essa verdade secreta. Vivo com medo de ter de ler em voz alta. Custe o que custar, tenho de esconder essa minha ignorância, hábito que cultivo desde que era uma menininha”.
“Todos os dias eu escrevia para a minha enfermeira… uma nota breve, com uma letra feia e pior ainda ortografia; escrever e soletrar sempre foram terrivelmente difíceis para mim. Minhas cartas careciam de originalidade”.
“Todos os dias tinha de aprender como soletrar páginas cheias de palavras. Suponho que esse exercício me fez algum bem, porém continuava soletrando muito mal, o que continuo fazendo até o dia de hoje”.
“A mim mesma sempre me reconhecia, ainda que com bastante benevolência, como “a lerda” da família… Era a absoluta verdade, eu o sabia e eu o aceitava”.
“Yo parecia ser como otros niños, pero no era como ellos: no podia aprender a ler o deletrear. De haber crecidos juntos, mis amigos, conocidos, colegas de la actualidad y yo, entre ellosy yo habría existido um abismo: los libros que a la sazón estaban leyendo, yo no los leia; las composiciones que escribían merecían estrelas doradas, ganaban prêmios…Las mias eran inaceptables. Ellos estaban em lo alto de sus clases. Yo estaba em el fondo. Durante toda mi niñez y juventude, la naturaliza de mi transtorno se mantuvo misteriosa para mí y para quienes me rodeaban. Cuando tenía veintidós años alguien me dio el diagnóstico… Bo um psicólogo sino um poeta: yo era disléxica”
“Ao gravar um depoimento sobre seu filho, Maria Lúcia Maramgoní não conteve as lágrimas. “Me lembro de ter feito algo tão ruim para ele. Era fim de ano e fui ver o resultado das provas. Quando vi no painel que foi reprovado, fiquei tão furiosa que comecei a chorar, peguei o carro e vim embora, deixei ele para trás. Depois pensei: ‘meu Deus, por que fiz isso?’ Ele já estava triste, sem graça por não ter passado. Nunca vou me perdoar”, lamentou. A angústia da mãe pode ser explicada pelo fato do artista plástico Waldemar Maramgoní, 48 anos, ter repetido nada menos do que sete vezes a quinta série na escola. “E u escutei todo tipo de piadinha, me chamavam de burro, até que eu desisti de estudar”, lembra Maramgoní. Ele já tinha 35 anos quando sua mulher pediu para ler um texto e notou que ele reproduziu diferente do que estava escrito. “Após uma longa pesquisa, descobri ser disléxico”.
“Quando um escritor tão prolífico como Hans Christian Andersen, já muito popular em sua pátria, aprenderá a escrever bem a sua própria língua?”
“Fui diagnosticada com dislexia com 9 anos, durante a 4ª serie do ensino fundamental, depois que a minha professora do colégio identificou que meu desenvolvimento estava mais lento comparada com minha irmã.
Com isso, ela suspeitou que talvez eu tivesse dislexia e nos indicou fazer um teste na ABD – associação brasileira de dislexia.
Após os testes, descobri que, mesmo tento uma cópia (irmã gêmea) sou uma pessoa única, que tenho meu próprio tempo para me desenvolver.
O diagnostico foi uma luz para minha dificuldade, mas não a solução dos meus problemas. Minha mãe, pedagoga e focada em mostrar a individualidade de cada filha, foi fundamental para que eu tenha os direitos necessários para um aprendizado de qualidade.
Em 1999, ano que descobri a minha característica, o colégio onde estudei não sabia como lidar com o meu diagnostico, pois foi o primeiro.
Após muitos embates da minha mãe com a coordenação pedagógica do colégio, incluindo a possibilidade de eu sair da escola que gostava tanto, a diretora organizou para todos os professores em curso com estratégias de como lidar com alunos disléxicos.
Além dos professores me ajudarem com a leitura nas provas, sempre tive tempo extra para fazer. Isso foi fundamental para o meu melhor aproveitamento acadêmico.
Hoje tenho uma vida profissional consolidada e “normal” com relação à minha dificuldade. Um dos meus hobbies é ler, coisa que nunca imaginava. Sempre li partes de livro, mas o primeiro livro que consegui ler sozinho e completo foi do Harry Potter. A Saga da JK Rolling tem uma importância na minha vida.
Sou uma pessoa que tem orgulho de falar sobre minha dislexia, pois ela faz eu me tornar uma pessoa única.”
“Toda mãe em algum momento na vida vai viver uma experiência diferenciada na vida escolar dos seus filhos. Se pedirmos para cada uma delas contar uma experiência, com certeza todas elas se lembrarão de algo…porque é tempo demais nessa jornada. E sendo assim, por mais que a gente tente se esquivar, uma hora somos envolvidos.
E se o filho tiver alguma dificuldade, esse envolvimento vai aparecer mais cedo do que a gente pensa. No meu caso, foi quando o Guilherme estava no jardim 1 que eu comecei a desconfiar que ele iria precisar de muita ajuda.
A dificuldade em associar o som das letras ao juntar uma consoante com uma vogal era tão grande que se eu perguntasse, ele “chutava” qualquer coisa.
Eu: Guilherme “S” tem som de?
GUI: …sssssssssssss
Eu: “A” tem som de?
Gui: aaaaa
Eu: “S” com “A” ?
Gui: LO?
Ele queria se livrar logo daquela conversa…e conforme o tempo ia passando o assunto “lição de casa”, “trabalho escolar”, “avaliação” aumentava em tempo e demanda. E assim os dias foram passando, eu não gostava nem um pouco de ter que acompanhar tão de perto cada novo conteúdo que ia sendo acrescentado, mas via que ele sofria, se sentia um peixe fora da água, e essa dificuldade gera outras porque os colegas percebem que o amiguinho é “fora da casinha”. Enquanto o conteúdo é pequeno a gente vai se virando, em alguns momentos até se atualiza, mas é uma tarefa que nunca diminui de tamanho, porque a autonomia que se espera de um disléxico severo no que se refere ao conteúdo é muito pequena.
E outros fatores também precisam ser inseridos tais como a personalidade, os interesses, e por aí vai.
No caso do Guilherme, ele sempre foi muito obediente, então tentava ao máximo dar conta das tarefas e conteúdos, mas era tão enormemente maior que a sua capacidade de compreensão, e os desafios duplicavam cada vez mais, até que eu mesma, por mais que tentasse, não dava conta. E se eu, adulta, com toda a vontade de mãe não dava conta, …nem toda ajuda do mundo seria suficiente.
Quando enxerguei tudo isso, acredito que já tinha causado alguns traumas desnecessários. Foi muito sofrido. Às vezes eu pegava um conteúdo, estudava profundamente como se fosse um aluno da classe, depois de compreender, passava a estudá-lo novamente agora como se fosse um professor que precisa ensinar tal conteúdo, e depois de descobrir como ensinar, estudava mais uma vez como se fosse um psicopedagogo pensando em como passar tal conteúdo para um aluno com DLX severo. Algumas vezes eu acabei desenvolvendo técnicas que deram muito certo e foram um sucesso, mas muitas vezes eu errei feio e mesmo assim, ficou faltando muita coisa pra ensinar.
Eu poderia ficar aqui escrevendo inúmeras experiências, mas agora, que o Guilherme já tem 21 anos, eu tenho algumas conclusões, mas não muitas.
Ele sempre vai precisar de ajuda para compreender conteúdos complexos. Mas o mundo parece menos conteudista do que a 15 anos atrás.
As pessoas sempre vão perceber que ele é um pouco fora da caixa. Mas hoje, o mundo aceita melhor o maluco que mistura as palavras…que troca hermafrodita por afrodisíaco, ou pão de ciabatta por pão de celibato (estas foram trocas reais durante as aulas já na graduação).
Tudo muda rapidamente então não adianta fazer planos a longo prazo, à longo prazo apenas sonhamos, mas planos? é um desafio de cada vez. O que foi ontem, hoje já não é mais. Não adianta sofrer com os desafios do ensino médio, quando ele está no fundamental, nem sofrer com a faculdade quando está no ensino médio.
O que realmente vale muito à pena, independente da síndrome, ou do temperamento é, de vez em quando, chamar para uma conversa e dizer:
– Como estão as coisas? Eu posso te ajudar em algo? Mesmo que não tenha como ajudar (mas sempre tem), “tamo junto”.
É muito amor, muito apoio, muita conversa franca e nunca desistir.
Obs. Ao terminar o ensino médio, Guilherme ingressou na faculdade de veterinária. Sofreu muito para acompanhar o curso por 3 anos, quando foi diagnosticado com leucemia. Trancou a matrícula, fez tratamento, quando terminou a fase de internação, veio a pandemia e para não ficar ocioso ingressou no curso de Gastronomia.”